O trocadilho com as palavras no título deste texto é, para mim, digno de comparação entre ouvir as músicas “Ngozi”, de Ric Hassani, ou “Emaweni”, de Kelly Khumalo. Mas a criatividade a que me refiro é a capacidade de transformação do rico patrimônio cultural das Áfricas em uma indústria de moda que vem atraindo venture captures e semelhantes, em busca de lucro, com investimentos no setor.
Para facilitar o tráfego por este texto, deixe-me lembrar-te de T’challa, o personagem do icônico de Chadwick Boseman, que nos legou uma fagulha do belo e do esplêndido por meio das roupas no personagem pantera negra . De lá para cá, o que parecia ser uma febre de verão, vem se provando uma tendência que veio para ficar.
Com uma marca de 15,5 bilhões de dólares em exportações, o emergente mercado da moda dentro do continente africano é fruto de uma combinação de diversos fatores, entre os quais: a afirmação da identidade pessoal, a busca pelas origens, a expressão do orgulho da juventude contemporânea que abraça o pan-africanismo, além das pautas políticas.
As bem-sucedidas 32 Fashion Week que hoje vigoram no continente, estão longe de dar conta desse movimento, não apenas pelo contingente populacional – de 1,3 bilhões de jovens africanos – mas acima de tudo porque a influência eurocentrista vem perdendo espaço também na moda.
Para um mercado global de 2,5 trilhões de dólares, os 31 bilhões de dólares que são a fatia dos países africanos representam 1,2% desse total, reforçando a tendência de que o continente africano será a próxima fronteira do mercado global da moda.
Em outubro de 2023 a Unesco já olhava para esse setor, quando publicou o “The African Fashion Sector: Trends, Challenges & Opportunities for Growth”, no qual evidenciou a existência de uma demanda reprimida no mercado de luxo africano com capacidade de crescimento de 0,79% por ano até 2028, tendo movimentado 6 bilhões de dólares em 2022. O detalhe é que esse mapeamento apontou a existência desse mercado apenas em alguns poucos países, como Quênia, Costa do Marfim, Gana, Ruanda, Senegal e Nigéria, mas um indicador de que a fatia é bem maior do que foi possível mensurar.
Entretanto, entre um país e outro, um ponto é o denominador comum: os consumidores estão em busca do que é feito em África e por africanos. Não por um regionalismo de consumo, mas por buscarem nas roupas e nos acessórios a expressão da sua identidade e as raízes da sua ancestralidade.
A congolesa Laëtitia Kandolo é uma designer que já monetiza nessa tendência. Com uma técnica de costura tradicional do seu país, a masua, ela vende as roupas da sua marca Uchawi para um seleto público.
Um dado importante é que esse mercado não se limita aos consumidores internos do continente, devido a grandiosidade da diáspora entre nativos e descendentes. Aqui no Brasil, onde existe a maior concentração populacional negra fora da África, também já conseguimos observar esse movimento influenciando desde os salões de beleza, até o mercado da moda. E é na moda que o beninense Abbé Tossa, proprietário da Kuavi, vem conquistando estrelas, como Zeca Camargo, Thiaguinho, Seu Jorge, entre tantos outros, com o toque da sua agulha. Assim como a brasileira Suelen Ingrid tem feito na Afroish.
E como não é novidade que os americanos procuram estar em tudo o que é lucrativo, em maio dos longínquos anos 2000 foi criada a AGOA, pelo Congresso dos Estados Unidos, para garantir a isenção de impostos para países africanos na exportação de produtos da cadeia têxtil para o mercado americano. Alguns dos países privilegiados na época foram Lesoto, Gabão, Malawi, Etiópia e Quênia.
Ciente das suas vantagens comparativas, como energia barata e população maioritariamente jovem, o governo da Etiópia investiu 250 milhões de dólares na construção de um parque industrial de 275 quilômetros, na capital Addis Ababa, com capacidade de gerar até 60 mil postos de trabalho e 1 bilhão de dólares em receitas de exportação. Com todos esses números, fica mais fácil entender a briga de Tom & Jerry entre os EUA e a China como mais um ingrediente nesse caldo. Inclusive as conhecidas Calvin Klein, Tommy Hilfiger e H & M já estão produzindo na Etiópia.
Além do baixo custo de mão de obra, a competitividade dos países africanos também conta com a farta disponibilidade de terras elegíveis para a plantação de algodão, cadeia que tem recebido investimentos não apenas para produção de matéria-prima para uso local, mas também destinada à exportação. Nesse quesito, supera o mercado chinês.
Mas claro, ainda há muito a ser feito, pois os problemas de infraestrutura nos países africanos são transversais em todos os setores da economia. E ainda que esse mercado da moda se mostre promissor, a falta de investimento financeiro continua sendo um dos maiores obstáculos.
Felizmente algumas tímidas ações vêm surgindo, como a expansão do Creative DNA, um programa de aceleração para produtores da moda do governo britânico, que em outubro de 2023, durante o The Creative African Nexus, na cidade do Cairo, Egito, criou oportunidades de network e mentorias para empreendedoras desse mercado. Mas o que chama atenção mesmo é a criatividade da Joint Venture, entre a Birimian Ventures e a Orange Bank Africa, empresas que juntas têm financiando infraestrutura para armazenamento, distribuição, formação e capital de giro para mulheres empreendedoras da moda na Costa do Marfim, sinalizando que a relação de risco do investimento é compensatória com o retorno dos investimentos.